O Presidente da República portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, defendeu hoje o primeiro-ministro, António Costa, a propósito das acusações do ex-governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, considerando que as autoridades portuguesas actuaram em nome do interesse nacional no caso que envolveu Isabel dos Santos. Terá sido?
F oi “uma história que correu bem no sentido em que o interesse nacional impunha que corresse assim”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa quando questionado pelos jornalistas sobre a actuação do chefe do executivo quanto aos negócios em Portugal da empresária angolana Isabel dos Santos.
Marcelo Rebelo de Sousa apontou “o peso” que foi “sacrificar” os interesses de Isabel dos Santos e tornar “péssimas” as relações diplomáticas com Angola, durante o resto do mandato do então Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, pai da empresária.
“Da parte de todos os que intervieram, do lado oficial, em nenhum momento, algum dos intervenientes jamais pensou que uma solução fosse, se a senhora engenheira [Isabel dos Santos] persistisse em não aceitar o acordo, deixar de aplicar a lei, que lhe era desfavorável”, sublinhou.
O Presidente da República, que falava à margem das comemorações do centenário de José Saramago, em Mafra, lembrou que, face à posição desfavorável do Banco Central Europeu e à recusa de acordo por parte de Isabel dos Santos, veio a promulgar o diploma do Governo que retirou poder à empresária angolana no banco em que era accionista.
O chefe de Estado comentava as acusações de Carlos Costa de que o primeiro-ministro tentou interferir nas decisões do Banco de Portugal, quando ainda era governador, alegando que não se podia tratar mal a filha de um presidente de um país amigo de Portugal.
António Costa acusou hoje o ex-governador do Banco de Portugal de ter colaborado num livro com mentiras e deturpações a seu respeito e de ter montado uma operação política de ataque ao seu carácter, depois de ter afirmando que irá mover um processo judicial a Carlos Costa por ofensas ao seu bom nome e à sua honra. Com mais um empurrãozinho o ex-governador do Banco de Portugal ainda será acusado de tentativa de golpe de Estado.
Numa nova crítica ao livro “Governador”, da autoria do jornalista Luís Rosa sobre o mandato de Carlos Costa enquanto governador do Banco de Portugal, o primeiro-ministro disse que, cada página que vai conhecendo só justifica a sua decisão de recorrer aos tribunais.
COSTAS PARA TODOS OS GOSTOS
C arlos Costa, então governador do Banco de Portugal, elogiou no dia 31 de Outubro de 2019 o papel do banco central angolano na estabilização da economia de Angola, cujas políticas, “se forem bem feitas”, vão contribuir para um país mais próspero. “Se forem bem feitas”… Como diria La Palice, se Agostinho Neto não tivesse morrido… estaria vivo.
Carlos Costa, que estava em Luanda para participar em várias conferências e assinar um Acordo Geral de Cooperação entre o Banco Nacional de Angola e o Banco de Portugal, foi palestrante na Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto, numa conferência sobre “O Banco Central Europeu e a Zona Euro”.
Segundo o então governador do banco central português, o BNA merece “um elogio rasgado pelo que está a fazer para o desenvolvimento da economia angolana”, que deverá ser marcado por um sistema bancário sólido, um sistema financeiro robusto e um sistema monetário adequado ao funcionamento da economia.
“Por isso eu só posso incentivar e desejar que os resultados alcançados beneficiem todos os angolanos”, referiu.
O responsável do banco central português sublinhou ainda que “se as coisas forem bem feitas, se aquilo que hoje está em curso for bem sucedido, o índice de felicidade dos angolanos seguramente vai aumentar”.
Na resposta à pergunta sobre o papel da política monetária, Carlos Costa disse que o papel do banco central é cuidar do sistema de circulação monetária na economia financeira, realçando que há uma divisão de trabalho, sendo sua tarefa a estabilidade de preços e o equilíbrio financeiro.
“Temos que assegurar que a economia real esteja em condições de funcionar. Se uma economia entra em colapso porque há desconfiança na moeda, no sistema financeiro, perda de mecanismo de cedência, da poupança, dos que têm capacidade de financiar para os que têm necessidade, então é um problema do banco central”, frisou.
O irritante, a irritante, os irritantes!
E m Novembro de 2017 o ministro das Relações Exteriores de Angola, Manuel Augusto, avisou que enquanto o caso que envolvia a Justiça portuguesa e Manuel Vicente não tivesse o desfecho que João Lourenço queria, Angola “não se moveria nas acções de cooperação com Portugal”.
“Enquanto o caso não tiver um desfecho, o Estado angolano não se moverá nas acções, que todos precisamos, de colaboração com Portugal”, disse Manuel Augusto, em entrevista à Lusa e à rádio francesa TF1, à margem da cimeira entre a União Europeia e a União Africana, que decorreu em Abidjan, na Costa do Marfim.
“Este já não é um caso individual de justiça, é um caso do Estado angolano e enquanto não tiver um desfecho, o Estado angolano não se moverá nas acções de cooperação com Portugal, e competirá às autoridades do Estado português verem se vale a pena esta guerra”, vincou o diplomata.
Para o chefe da diplomacia angolana, as relações entre os dois países “são excelentes”, mas estas estão “ensombradas por um caso específico que releva da actuação da justiça portuguesa”.
Ontem o irritante era Portugal andar a querer mexer em coisas que só diziam respeito a Angola. Se os alegados crimes do Manuel Vicente foram cometidos em Angola, Portugal não tinha nada que se meter no assunto. O irritante existiu enquanto Portugal não entregou o caso a Angola.
Hoje o irritante é Portugal não se ter metido num assunto que diz respeito a Angola. Antes que o irritante dê demasiada coceira, há que vir dizer a Portugal que sim, TEM que se meter nos alegados crimes que a Isabel dos Santos cometeu em Angola.
Mas atenção! Só esses. Porque os outros são os amigos. Nada de confusões!
“Angola respeita a separação de poderes, mas a única que queremos é que o poder judicial português deve ter em conta os interesses de Portugal e de Angola”, disse o ministro
“A razão de Estado aplica-se aqui; enquanto o poder judicial português entender que as relações entre dois Estados são menos importantes do que o cumprimento deste processo na direcção em que estão a levar, nós aguardaremos”, alertou.
Questionado sobre se a razão de Estado deve sobrepor-se ao poder judicial, Manuel Augusto disse que “a justiça não se deve pôr nem por cima nem por baixo” e lembrou que existe um acordo judiciário entre os dois países, que permite a transferência de processos em caso de necessidade.
“O que se passa é que houve essa diligência em Portugal e o Ministério Público não é favorável, ou recusa-se a fazer, na argumentação de que não confia na justiça angolana, que terá havido uma amnistia e que o processo podia enquadrar-se nessa amnistia”, lamentou o diplomata.
Só que “aqui já há um juízo de valor sobre a justiça angolana, porque se não confiavam, não deviam ter assinado o acordo judiciário”, argumentou Manuel Augusto.
Lembrando o caso do empresário e antigo presidente do Sporting, Jorge Gonçalves, o ministro disse que “Portugal recorreu a este acordo para pedir a colaboração nesse caso”.
“Ora, na análise temos de concluir que o caso de Manuel Vicente está politizado, porque nem pelo valor material, nem pelas consequências da sua acção justifica todo este estardalhaço”, disse. “Se é um problema político, então vamos tratá-lo politicamente”, concluiu.
E, de facto – não de jure -, as razões de Estado são uma espécie de albergue onde cabe tudo o que interessa a Portugal, nem que isso seja um atropelo às regras de um Estado de Direito. Ou seja, permite que se lavre a sentença antes da averiguação dos factos. Primeiro arquiva-se e depois articula-se juridicamente os argumentos que sustentem esse mesmo arquivamento. Simples.
Num Estado de Direito uma das regras fundamentais é dar à política o que é política e aos tribunais o que é dos tribunais. Em Portugal nada disso é assim. A promiscuidade é tal que, cada vez mais, os tribunais fazem política e a política investiga e dá sentenças.
Folha 8 com Lusa